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sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Citação de Poema, de Danilo Cerqueira

Foto: Danilo Cerqueira
Foto: Danilo Cerqueira

 
 
Poema
 
Olho e saio da vida
Com o risco de esfolar o grão
Que cresce no entorno do vago
Com a órbita do homem em vão
 
Grave e leve, semente à vista, pesa e voa!
Infunde no vácuo o seixo molhado
Poço d'água ao sol entoa
Que a certeza da queda é o ocaso...
 
22/08/2013

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Citação de A palavra certa, de Herbert Vianna, George Israel, Paula Toller

 

 

A PALAVRA CERTA

Atravesso a noite com um verso
Que não se resolve
Na outra mão as flores
Como se flores bastassem
Eu espero
E espero


Não funcionam luzes, telefones
Nada se resolve
Trens parados, Carros enguiçados
Aviões no pátio esperam
E esperam


A chave que abre o céu
D´aonde caem as palavras
A palavra certa
Que faça o mundo andar

 

A PALAVRA certa. Intérprete: Herbert Vianna. Compositores: Herbert Vianna, George Israel, Paula Toller. In: SANTORINI Blues. Intérprete: Herbert Vianna. [S. l.]: EMI Music Brasil, 1997. 1 CD, faixa 7.

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Citação de Memórias de um porteiro, de Denival Matias Conceição

 
Tenho saudades da vida longa, quero viver até oitocentos anos para eu poder falar de amor. Quero voltar ao jardim do Éden, ter uma mulher feita pra mim, com minhas essências, meus traços e virtudes.. Que se parecesse com Maria, que foi capaz de ser escolhida para gerar Jesus homem. 
Eu tenho falta de tudo. Os ventos estão agressivos, a natureza reclama. Tenho saudade da cidade deserta às 18 horas, da liberdade de visitar as praças. O trânsito congestionado, e eu me interrogo: para que tanta pressa?
A vida expulsou o silêncio,a calmaria se desvairou em ruídos tenebrosos, e eu me recolho, estou me implodindo aos poucos junto com a vida que se vai prematuramente.
Tenho saudade do mundo antigo, onde os idosos eram experiências acumuladas, o sol não brilhava tão forte, e as tempestades divertiam os meus olhos em meio à poeira do redemoinho, hoje destroçam cidades inteiras.
No presente, lembranças de como foi bom o passado, e o futuro será nem melhor que o presente.
Uma andorinha ferida é como me sinto, sem forças para gorjear. Minha alma nua em silêncio, as palavras mudas. Que palavras? Elas invadem minha alma. Malditas palavras. Pensamentos silenciosos, solitários. Vou tentando voar mais alto. Com minhas asas cansadas e feridas.
O vento me levará além do horizonte, já vejo daqui das nuvens o caminho. Romper a barreira do silêncio... ele me dirá: conseguiu chegar.
Ficarei morando ali até a eternidade, e em palavras doces se transformarão aquelas malditas palavras.
Bendito seja o criador desse amor bonito, o meu mundo seria vazio sem ele. Enfeitarei os livros, as imagens, os versos. Os sons das manhãs e noites silenciosas.
 
CONCEIÇÃO, Denival Matias. Memórias de um porteiro. São Paulo: Biblioteca24horas, 2011. p. 69-70.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Citação de As lâminas do tarô & os 12 trabalhos de Hércules, de Solidade Lima

 

 

CIDADÃO COSMONAL

 

Meu coração é o coração do mundo.

Todos os homens são meus pais e filhos,

trago nos pés os pés dos andarilhos...

Nas mãos, a eternidade dum segundo.

 

Íons tocando piano e horas do profundo

meditar... Nas setas do olhar: o brilho

cruzando o sideral como um rastilho

de astro que parte para um voo mais fundo.

 

Somente um quark e toda humanidade, 

partícula astral da ancestralidade

nos glóbulos, nos átomos, moléculas.

 

Meu coração é o coração da vida

amanhecendo a noite, a despedida, 

pulsando o cosmo milenar das células.

 

LIMA, Solidade. Cidadão cosmonal. In: As lâminas do tarô & os 12 trabalhos de Hércules. LIMA, Solidade. São Paulo: PoloBooks, 2016. p. 88.

 


quarta-feira, 3 de julho de 2024

Citação de Dedal de areia, de Antonio Brasileiro


 

A PROSA DO MUNDO E O DEDAL DE AREIA


Espadachim das sombras multivárias,

há que cuidar dos minotauros da psique.

Eis que a verdade é multifacetada

e o mais, sombra de enigmas.


A deusa nua tem cheiro de jasmim

e a razão trescala a alho-porro.

 

BRASILEIRO, Antonio. A prosa do mundo e o dedal de areia. In: BRASILEIRO, Antonio. Dedal de areia. Rio de Janeiro. Garamond, 2006. p. 31.


sexta-feira, 7 de junho de 2024

Citação de Poesia de Álvaro de Campos, de Fernando Pessoa


 

Três sonetos

I
[A Raul Campos]*
 

Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

*Lisboa, (uns seis a sete meses antes do Opiário) Agosto 1913


 II

A Praça da Figueira de manhã,
Quando o dia é de sol (como acontece
Sempre em Lisboa), nunca em mim esquece,
Embora seja uma memória vã.

Há tanta coisa mais interessante
Que aquele lugar lógico e plebeu,
Mas amo aquilo, mesmo aqui... Sei eu
Porque o amo? Não importa nada. Adiante...

Isto de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar p’ra elas.
Nenhuma d'elas em mim é serena...

De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros, ou as que não há.

Londres (uns cinco meses antes do Opiário) Outubro 1913


III
[A Daisy Mason]


Olha, Daisy, quando eu morrer tu hás-de
Dizer aos meus amigos ai de Londres,
Que, embora não o sintas, tu escondes
A grande dor da minha morte. Irás de

Londres p’ra York, onde nasceste (dizes —
Que eu nada que tu digas acredito...)
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes

(Embora não o saibas) que morri.
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará. Depois vai dar

A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande...
Raios partam a vida e quem lá ande!...

(A bordo do navio em que embarcou para o Oriente; uns quatro meses antes do Opiário, portanto) Dezembro 1913

 

CAMPOS, Álvaro de. Três sonetos. In: PESSOA, Fernando. Poesia de Álvaro de Campos. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 37-39.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

Citação de Andar a pé, de David Henry Thoreau

 


Viver muito ao ar livre, no sol e no vento, não gera, de modo algum, certa aspereza de caráter, mas sim uma cutícula mais espessa que cobre as mais belas qualidades da nossa natureza, como no rosto e nas mãos, ou como um rigoroso trabalho manual retira às mãos um pouco da delicadeza de tato. Portanto, permanecer em casa, pode, por seu turno, produzir um aveludamento e lisura, para não dizer finura da pele, acompanhado de uma sensibilidade mais apurada a certas impressões. Talvez fôssemos mais susceptíveis a algumas influências importantes para o nosso desenvolvimento intelectual e moral se o sol nos tivesse queimado menos e menos nos tivesse batido o vento. E, com efeito, é conveniente tratar adequadamente a pele grossa e a pele fina. Mas parece-me que se trata de uma crosta que se remove com a maior facilidade - que o remédio natural encontra-se na relação que existe entre a noite e o dia, o inverno e o verão, o pensamento e a experiência. Quando maior a dose de ar e de luz solar em nossos pensamentos, tanto melhor. As mãos calosas do operário mais condizem com os tecidos finos do respeito próprio e do heroísmo, cujo toque emociona o coração, do que os dedos lãnguidos da ociosidade. É pura sentimentalidade a de quem se deita de dia e se julga alvo, isento do breu e do calor da experiência.

THOREAU, Henry David. Andar a pé. Tradução de Sarmento de Beires e José Duarte. [S. l.]: eBooksBrasil.com, 2003. E-book. local. 52-56 [de 407]. Digitalização de livro em papel: THOREAU, Henry David. Andar a pé. M. Jackson Inc.: Rio de Janeiro, 1950. Ensaístas Americanos. Clássicos Jackson. v. 33.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Citação de Eu, um outro, de Imre Kertész

 Uiva o vento úmido, angustiante das tragédias. Abre-se a terra, vem abaixo o céu. As pessoas de repente mudam, desmoronam, envelhecem. O sopro do inferno lhes tira a cor do rosto. Os transeuntes que se vêem [sic] nas ruas são vultos brancos e cinza, cadáveres. As metamorfoses do apocalipse. Na Vérmezõ, ao passar pela estátua de Béla Kun, coberta de estrelas-de-david rabiscadas, de repente entendi que aquilo que na juventude julgava covardia, estupidez, cegueira e - no fundo - a forma quase inconcebivelmente tragicômica do suicídio, na realidade, era o tipo de impotência que se transforma em dignidade. Pois existe algo de digno em finalmente cumprir a ordem brutal do assassino e aceitar friamente ser marcado e massacrado. Existe algo de generoso na comodidade da vítima. Quanto a mim, hoje já desconfio que vou permanecer no meu lugar, quando muito, vou sentir mais nojo. Uma vida longa nos reserva cada vez mais surpresas, surpresas que preparamos para nós mesmos.

 

KERTÉSZ, Imre. Eu, um outro. Tradução de Sandra Nagy. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. p. 12-13.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Em menos tempo do que ontem

 

Em menos tempo do que ontem, até porque estou usando outro recurso para registrar  as palavras hoje, creio que vou escrever menos texto do que nos dois dias anteriores. Isso não deve ser problema, pois mesmo assim estou aqui, com mais vontade do que habilidade, com mais razão do que saber,  com mais de menos do que de mais... 

Deixando esses jogos de palavras de lado, prefiro comentar coisas do dia (e da tarde e da noite) para, delas, partir para questões atemporais... esperanças, esperanças... Hoje finalmente pude correr... correr... correr, fisicamente. Prazer inenarrável, ouvindo música então, melhor ainda. Não, eu não sou desses que se entrega ao corpo de forma mecânica, como máquina que funciona até a exaustão de seus componentes ou que apresenta qualquer defeito pelo uso exagerado. Procuro pensar, entre essa espécie de cansaço satisfatório, sobre coisas importantes para mim, assuntos e questões morais, éticas e sociais. Entre a observação de gestos e corpos ao longo de quase duas horas de exercício, vou meio.que me descobrindo como pessoa, cidadão, homem, ser socialmente constituído, mas que tem um contexto e ambiente condicionante (não determinante) e constante, articuladamente correlacionante, a me e a nos espreitar e tragar para seus domínios de convenções, digamos, específicas.

Esse é o destino dos resistentes: lutar a luta mais vã, como ilustra Drummond com as... Palavras!

Não lutar com as palavras talvez seja fechar os olhos ao seu sinal...

Bons momentos... e fins de tarde... e madrugadas...

 

Feira de Santana, BA, 8 de maio de 2021.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Madrugada

Tempo de minhas palavras

Onde está? Onde estão?

Vejo e sinto esforço apenas

Perto do céu e do vão...




quarta-feira, 17 de abril de 2024

Citação de A expedição Montaigne, de Antonio Callado


 
Ieropé estava agora cismando por conta própria, porque sentia que, sem a menor dúvida, alguém soprava nele a música, dizendo a ele que só com muito e muitíssimo tempo é que alguém pode ter a esperança de encontrar o que afinal de contas ninguém perdeu e esteve sempre aí, mas não se vê nem se sente. Ele tinha é que descobrir não como o mundo e as coisas, os bichos e as plantas e os peixes se criam e se encaixam e sim, o que é muito mais simples, como se faz farelo e farinha de uma única coisa, a coisa ruim. Mas mesmo pra isso, Ieropé não se iludisse, ele precisava, devagarinho, ir virando ele mesmo aquilo que a natureza tivesse de mais forte porque os acontecimentos que mais aconteceram provocam e arrastam tantos outros acontecimentos que todos se defendem da extinção ao mesmo tempo: nenhum quer deixar de ter acontecido, desistindo de existir, coisa em que ninguém e nenhuma coisa acha graça nenhuma, como reza a lei que todo o mundo conhece. Achando que seguia e servia a música, o que não deixava de ser verdade, Ieropé irritava, sem saber, a música, que não esperava precisar castigá-lo e fazê-lo saltar tanto, devido ao orgulho e à soberba que ainda habitavam o pajé. É que Ieropé, forçoso é confessar, em sua busca da melhor forma de desatar o existido, partiu pras cabeceiras, pras presunções, procurando, em funda cisma, sorver pelos poros a sumaúma, que é a árvore maior de todas, e o raio, atrás que ele andava da força que nasce quando os dois se encontram, se rasgam e se dilaceram entre p céu e a terra pra fazer a solda do mundo do alto com o mundo das profundezas.

CALLADO, Antonio. A expedição Montaigne. 10. impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005 [1982]. p. 67-68.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Poemas Pueris I (anteriores a 2006 e ocasionalmente adaptados)

Fragatas veem o amanhacer
Luzes imitam a fagulha da chama
Anistiam o negro de você
O radiante olhar de quem te ama

.....................................................

Apaga-se da tela a referência
Ressurgindo abaixo do sol
Caminhando entre a circunferência
Aquece a estrela só

.....................................................

Amada amiga
Antiga, altruísta, querida
Teus gestos bem delineiam o encanto dos luares
Véu de simplicidade sobre a fronte
Acredito de talvez exista liberdade... no teu abraço
Alvo, teu jeito, 
Um gesto, um veio
A vida escorre pelo tempo
E tu escorres pelos dedos
E vens para junto de mim

.....................................................

Criança

Sorrindo, a criança vai indo
Encontrar o sol da vida que raia
Sem prever qual será o sol de amanhã,
Antes que a inocência caia e recaia
Ao longo da doce vida normal.

Uma criança apenas vive,
Apenas sabe do agora.
Apenas sente quando há hora.
Apenas sente quando chora.

.....................................................

Ser ou não ser um grão
Que um dia os outros verão
Ou mais dois olhos
Na multidão

Apenas sentindo ou
Simplesmente refletindo
Sobre minha vida
Que é uma ação
Provida de uma eterna inter-rogação?

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Virada?


Não sei porque estou escrevendo prestes a dormir. Talvez tenha medo do sono, do escurecer as vistas e não mais as levantar. Tudo parece um pouco sem sentido quando estamos prestes a dormir, vamos nos desligando do mundo até que, de repente, os olhos fecham... e sabe-se lá quando vão abrir novamente... Hão de abrir novamente, como a maioria de nós acorda horas depois...
Volto a escrever com sono este texto hoje, pouco mais de dois meses depois de ter começado, para enfim dar cabo desta ideia que se faz verbo, substantivo e tantas outras classes gramaticais, digamos, de uma forma básica de expressão linguística. Espero chegar ao final antes do dia seguinte, mas talvez não seja mais possível, pois tenho pouco mais de 15 minutos. Será?... Ouço um pouco de música enquanto tento escrever. Se a música é conhecida e boa, fujo um pouco do texto e presto atenção aos sons que me levam a  muitos anos anteriores... a dias pueris e desbravadores de espaços e pessoas... uma espécie de sono existencial, retorno aos primórdios da minha formação, de meu agir no mundo... e do mundo agindo em mim. Fim... 
Consegui?

segunda-feira, 25 de março de 2024

Verso e círculos


 

Nestes versículos expostos à meia-luz, duma tela plana, como um campo de futebol, ocorre o show da vida! 

Deixando essa fantástica (risos) odisséia trocadilhística de lado, vejamos para o que viemos, cara entidade leitora: algo escrito para além de quem é vc! 

Precisamos realmente ler o necessário para entendermos o essencial?

É possível comparar grandes metáforas (definamos o que é ser pragmaticamente grande) a relações e conhecimentos do vulgo (povão mesmo!)?

A este que lê o tal texto dialógico, onde está sua desconfiança da incompreensibilidade de meu texto? 

Será mesmo que o homem que escreve será o mesmo que lê? Lê numa manhã fria, no entanto seca. Escreve ao sol, mas com umidade surreal - ou irreal...

O ponto de partida para uma leitura é (mas pode não ser) o que gravita visualmente em torno do globo ocular que quem lê. Esta é a gravidade das coisas! o "corpo que olha" observa, mas age; vê, mas atua; perscruta e encabeça... as reticências de antes, de hoje e de sempre.


Mariano Aido, entre abril de 2010 e março de 2024.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Citação de O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde

 

 

- Eu agora nunca aprovo nem reprovo nada. Aprovar e reprovar são atitudes absurdas para com a vida. Não viemos ao mundo dar larga aos nossos preconceitos morais. Jamais presto atenção ao que diz o vulgo, nunca interfiro no que fazem as pessoas simpáticas. Quando uma personalidade me fascina, seja qual for o modo de expressão escolhido por essa personagem, considero-o absolutamente satisfatório. Dorian Gray apaixonou-se por uma linda pequena, que personifica Julieta, e pretende casar com ela. Por que não? Se casasse com Messalina, nem por isso seria menos interessante. Você sabe que não sou um paladino do casamento. O verdadeiro inconveniente do casamento é extingue em nós o egoísmo. E os seres sem egoísmo são incolores. Carecem de personalidade. Ainda assim, há temperamentos que o estado conjugal torna mais complexos. Esses conservam o seu egoísmo e acrescentam-lhe muitos outros "egos". Obrigados por isso a viver uma vida múltipla, tornam-se superiormente organizados. E ser seriormente organizado é, a meu ver, a finalidade da existência do homem. Ademais, toda experiência tem valor, e, diga-se o que o que se disser, o casamento é sem dúvida uma experiência. Espero que Dorian Gray case com essa menina, que a adore apaixonadamente seis meses e depois, da noite para o dia, apaixone-se por outra. Ele seria um objeto de estudo maravilhoso.


WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Tradução de Marina Gaspari. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998. p. 80-81.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Citação de Abismo, de Carlos Ribeiro

 

As pessoas com ideias fixas tendem geralmente para um dogmatismo mais ou menos velado, e isso costuma ser um obstáculo intransponível para o acesso a novas realidades. Ou, nas suas próprias palavras, a uma percepção não convencional da realidade. É preciso ter disponibilidade de espírito e coragem de olhar o mundo por ângulos insólitos, novos e surpreendentes. Realçar detalhes que até então foram desprezados. 

RIBEIRO, Carlos. Abismo. São Paulo: Geração Editorial, 2004. p. 42.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Citação 4 de Juca Mulato, de Menotti del Picchia

 

 

Ressurreição

1

Coqueiro! Eu te compreendo o sonho inatingível:
queres subir ao céu, mas prende-te a raiz...
O destino que tens de querer o impossível
é igual a este meu de querer ser feliz.

Por mais que bebas a seiva e que as forças recolhas,
que os verdes braços teus ergas aos céus risonhos,
no último esforço vão, caem-te murchas as folhas
e a mim, murchos, os sonhos!

Ai! coqueiro do mato! Ai! coqueiro do mato!
Em vão tentas os céus escalar na investida.
Tua sorte é tal qual a de Juca Mulato.
Ai! tu sempre serás um coqueiro do mato...
Ai! Eu sempre serei infeliz nesta vida!"

"Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
este sonho que ergui, o poderia por
onde quisesse, longe até da minha dor,
em um lugar qualquer onde a ventura mora;

onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
eu coloquei muito alto o meu sonho de amor...
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.

O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade
teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
e oculta-o sem saber se depois o achará...

E quando vai buscar sua felicidade,
ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
escondeu-a tão bem que nem sabe onde está!"

E Mulato parou.
Do alto daquela serra,
cismando, o seu olhar era vago e tristonho:
"Se minha alma surgiu para a glória do sonho,
o meu braço nasceu para a faina da terra."

Reviu o cafezal, as plantas alinhadas,
todo o heróico labor que se agita na empreita,
palpitou na esperança imensa das floradas,
pressentiu a fartura enorme da colheita...

Consolou-se depois: "O Senhor jamais erra...
Vai! Esquece a emoção que na alma tumultua.
Juca Mulato volta outra vez para a terra,
procura o teu amor numa alma irmã da tua.

Esquece calmo e forte. O destino que impera
um recíproco amor às almas todas deu.
Em vez de desejar o olhar que te exaspera,
procura esse outro olhar que te espreita e te espera,
que há, por certo, um olhar que espera pelo teu..."

PICCHIA, Paulo Menotti del. Juca Mulato. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 51-54.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Citação 3 de Juca Mulato, de Menotti del Picchia

 

 


A Voz das Coisas

E Juca ouviu a voz das coisas. Era um brado:
"Queres tu nos deixar, filho desnaturado?"

E um cedro o escarneceu: "Tu não sabes, perverso,
que foi de um galho meu que fizeram teu berço?"

E a torrente que ia rolar no abismo:
"Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo".

Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura:
"Fui eu que iluminei a tua choça escura
no dia em que nasceste. Eras franzino e doente.
E teu pai te abraçou chorando de contente...
- Será doutor! - a mãe disse, e teu pai, sensato:
- Nosso filho será um caboclo do mato,
forte como a peroba e livre como o vento! -
Desde então foste nosso e, desde esse momento,
nós te amamos seguindo o teu incerto trilho
com carinhos de mãe que defende seu filho!"

Juca olhou a floresta: os ramos, nos espaços,
pareciam querer apertá-lo entre os braços!
"Filho da mata, vem! Não fomos nós, ó Juca,
o arco do teu bodoque, as grades da arapuca,
o varejão do barco e essa lenha sequinha
que de noite estalou no fogo da cozinha?

Depois, homem já feito, a tua mão ansiada
não fez, de um galho tosco, um cabo para a enxada?"

"Não vás" - lhe disse o azul - "Os meus astros ideais
num forasteiro céu tu nunca os verás mais.
Hostis, ao teu olhar, estrelas ignoradas
hão de relampejar como pontas de espadas.
Suas irmãs daqui, em vão, ansiosas, logo,
irão te procurar com seus olhos de fogo...
Calcula, agora, a dor destas pobres estrelas
correndo atrás de quem anda fugindo delas..."

Juca olhou para a terra e a terra muda e fria
pela voz do silêncio ela também dizia:
"Juca Mulato, és meu! Não fujas que eu te sigo.
Onde estejam teus pés, eu estarei contigo.
Tudo é nada, ilusão! Por sobre toda a esfera
há uma cova que se abre, há meu ventre que espera.
Nesse ventre há uma noite escura e ilimitada,
e nela o mesmo sono e nele o mesmo nada.
Por isso o que te vale ir, fugitivo e a esmo,
buscar a mesma dor que trazes em ti mesmo ?
Tu queres esquecer? Não fujas ao tormento.
Só por meio da dor se alcança o esquecimento.
Não vás. Aqui serão teus dias mais serenos,
que, na terra natal, a própria dor dói menos...
E fica que é melhor morrer (ai, bem sei eu!)
no pedaço de chão em que a gente nasceu!"

PICCHIA, Paulo Menotti del. Juca Mulato. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 47-49.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Citação 2 de Juca Mulato, de Menotti del Picchia

 

 
2
"Também como esse bosque eu tive outrora
na alma um bosque cerrado de emoções.
As palmeiras das minhas ilusões
iam levando o fuste espaço afora.
 
Floriam sonhos; era uma pletora
de crenças, de desejos, de ambições...
Não havia por todos os sertões
mais luxuriante e mais violenta flora.
 
Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas!...
É agosto, é agosto! O fogo arde o que existe
em turbilhões sinistros e medonhos.
 
Ai de nós!... Somos almas desgraçadas,
pois na luz de um olhar lânguido e triste
também ardeu o bosque dos meus sonhos..."
 
3
"Água cantante, soluçante, esse gemente
marulho triste, quantas tristes cismas trás...
E fica incerta, ao ouvir-te a voz, a dor da gente,
se vais cantando por ansiar o que há na frente
ou soluçando pelo que deixaste atrás...
 
Água cantante, água estuante, é singular
a semelhança em que te iguala à minha sorte:
vais para a frente e nunca mais hás de voltar,
vens da montanha e vais correndo para o mar,
venho da vida e vou correndo para a morte.
 
Água cantante, ai, como tu, esta alma embrenho
nas incertezas de caminhos que não sei...
E, na inconstância em que me agito, só obtenho
essa ânsia imensa de deixar o que já tenho,
depois a dor de não ter mais o que deixei!"
 
PICCHIA, Paulo Menotti del. Juca Mulato. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 32-33.

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Citação de O Coração Amarelo, de Pablo Neruda

OUTRO
 
De tanto andar uma região
que não figurava nos livros
acostumei-me às terras tenazes
em que ninguém me perguntava 
se me agradavam as alfaces
ou se preferia a menta
que devoram os elefantes.
E de tanto não responder
tenho o coração amarelo.

NERUDA, Pablo. O coração amarelo. Tradução de Olga Savary. Porto Alegre: L&PM, 2014. p. 11.