segunda-feira, 29 de julho de 2024

Citação de Memórias de um porteiro, de Denival Matias Conceição

 
Tenho saudades da vida longa, quero viver até oitocentos anos para eu poder falar de amor. Quero voltar ao jardim do Éden, ter uma mulher feita pra mim, com minhas essências, meus traços e virtudes.. Que se parecesse com Maria, que foi capaz de ser escolhida para gerar Jesus homem. 
Eu tenho falta de tudo. Os ventos estão agressivos, a natureza reclama. Tenho saudade da cidade deserta às 18 horas, da liberdade de visitar as praças. O trânsito congestionado, e eu me interrogo: para que tanta pressa?
A vida expulsou o silêncio,a calmaria se desvairou em ruídos tenebrosos, e eu me recolho, estou me implodindo aos poucos junto com a vida que se vai prematuramente.
Tenho saudade do mundo antigo, onde os idosos eram experiências acumuladas, o sol não brilhava tão forte, e as tempestades divertiam os meus olhos em meio à poeira do redemoinho, hoje destroçam cidades inteiras.
No presente, lembranças de como foi bom o passado, e o futuro será nem melhor que o presente.
Uma andorinha ferida é como me sinto, sem forças para gorjear. Minha alma nua em silêncio, as palavras mudas. Que palavras? Elas invadem minha alma. Malditas palavras. Pensamentos silenciosos, solitários. Vou tentando voar mais alto. Com minhas asas cansadas e feridas.
O vento me levará além do horizonte, já vejo daqui das nuvens o caminho. Romper a barreira do silêncio... ele me dirá: conseguiu chegar.
Ficarei morando ali até a eternidade, e em palavras doces se transformarão aquelas malditas palavras.
Bendito seja o criador desse amor bonito, o meu mundo seria vazio sem ele. Enfeitarei os livros, as imagens, os versos. Os sons das manhãs e noites silenciosas.
 
CONCEIÇÃO, Denival Matias. Memórias de um porteiro. São Paulo: Biblioteca24horas, 2011. p. 69-70.

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