As teorias que explicam o universo Os versos que vasculham o coração Os garis, estivadores e arquitetos A fé manipulada dos cristãos
As alegrias, alergias, os afetos Os fatos, frases, a simulação O país ajoelhado, a morte, o sexo A culpa e o olhar de acusação
O que é tudo isso diante da Pólvora? (Dessa paixão que se renova)
Os dias, datas de aniversário Os quartos de hotel, o avião Os livros, discos, dicionários A madrugada e o olhar sem direção
Os velhos, as crianças e os parques Os templos, tumbas e memoriais A nova velha forma do desastre Bandeiras, panos, lenços, aventais
O que é tudo isso diante da pólvora? (Dessa paixão que se renova)
PÓLVORA. Intérprete: Os Paralamas do Sucesso. Compositor: Herbert Vianna. In: BIG Bang. Intérprete: Os Paralamas do Sucesso. [S. l.]: EMI Music Brasil, 1989. 1 CD, faixa 3.
Eu preparo uma canção em que minha mãe se reconheça todas as mães se reconheçam, e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua Que passa por muitos países. Se não me veem, eu vejo E saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo Como quem ama ou sorri. No jeito mais natural Dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas formam um só diamante. Aprendi novas palavras E tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças.
ANDRADE, Carlos Drummund de. Canção amiga .In: ANDRADE, Carlos Drummund de. José. Novos poemas. Fazendeiro do ar. 7. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 9.
Foi numa Semana Santa Tava o céu em oração São Pedro estava na porta Refazendo anotação Daqueles santos faltosos Quando chegou Lampião.
Pedro pulou da cadeira Do susto que recebeu Puxou as cordas do sino Bem forte nele bateu Uma legião de santos Ao seu lado apareceu.
São Jorge chegou na frente Com sua lança afiada Lampião baixou os óculos Vendo aquilo deu risada Pedro disse: Jorge expulse Ele da santa morada.
E tocou Jorge a corneta Chamando sua guarnição Numa corrente de força Cada santo em oração Pra que o santo Pai Celeste Não ouvisse a confusão.
O pilotão apressado Ligeiro marcou presença Pedro disse a Lampião: Eu lhe peço com licença Saia já da porta santa Ou haverá desavença.
Lampião lhe respondeu: Mas que santo é o senhor? Não aprendeu com Jesus Excluir ódio e rancor?... Trago paz nesta missão Não precisa ter temor.
Disse Pedro isso é blasfêmia É bastante astucioso Pistoleiro e cangaceiro Esse povo é impiedoso Não ganharão o perdão Do santo Pai Poderoso
Inda mais tem sua má fama Vez por outra comentada Quando há um julgamento Duma alma tão penada Porque fora violenta Em sua vida é baseada.
- Sei que sou um pecador O meu erro reconheço Mas eu vivo injustiçado Um julgamento eu mereço Pra sanar as injustiças Que só me causam tropeço.
Mas isso não faz sentido Falou São Pedro irritado Por uma tribuna livre Você aqui foi julgado E o nosso Onipotente Deu seu caso encerrado
- Como fazem julgamento Sem o réu estar presente? Sem ouvir sua defesa? Isso é muito deprimente Você Pedro está mentindo Disso nunca esteve ausente.
Sobre o batente da porta Pedro bateu seu cajado De raiva deu um suspiro E falou muito exaltado: Te excomungo Virgulino Cangaceiro endiabrado.
Houve um grande rebuliço Naquele exato momento São Jorge e seus guerreiros Cada qual mais violento Gritaram pega o jagunço Ele aqui não tem talento.
Lampião vendo o afronto Naquela santa morada Disse: Deus não está sabendo Do que há na santarada Bateu mão no velho rifle Deu pra cima uma rajada.
O pipocado de bala Vomitado pelo cano Clareou toda a fachada Do reino do Soberano A guarnição assombrada Fez Pedro mudar de plano.
Em um quarto bem acústico Nosso Senhor repousava O silêncio era profundo Que nada estranho notava Sem dúvida o Pai Celeste Um cansaço demonstrava.
Pedro já desesperado Ligeiro chamou São João Lhe disse sobressaltado: Vá chamar Cícero Romão Pra acalmar seu afilhado Que só causa confusão.
Resmungando bem baixinho Pra raiva poder conter Falou para Santo Antônio: Não posso compreender Este padre não é santo O que aqui veio fazer?!
Disse Antônio: fale baixo De José é convidado Ele aqui ganhou adeptos Por ser um padre adorado No Nordeste brasileiro Onde é “santificado”.
Padre Cícero experiente Recolheu-se ao aposento Fingindo não saber nada Um plano traçava atento Pra salvar seu afilhado Daquele acontecimento.
- Logo João bateu na porta Lhe transmitindo o recado Cícero disse: vá na frente Fique despreocupado Diga a Pedro que se acalme Isso já será sanado.
Alguns minutos o padre Com uma Bíblia na mão Ao ver Pedro lhe indagou: O que há para aflição? Quem lá fora tenta entrar E também um ser cristão,
São Pedro disse: absurdo Que terminou de falar Mas Cícero foi taxativo: Vim a confusão sanar Só escute o réu primeiro Antes de você julgar.
Não precisa ele entrar Nesta sagrada mansão O receba na guarita Onde fica a guarnição Com certeza há muitos anos Nos busca aproximação.
Vou abrir esta exceção Falou Pedro insatisfeito O nosso reino sagrado Merece muito respeito Virou-se para São Paulo: Vá buscar este sujeito.
Lampião tirou o chapéu Descalço também ficou Avistando o seu padrinho Aos seus pés se ajoelhou O encontro foi marcante De emoção Pedro chorou
Ao ver Pedro transformado Levantou-se e foi dizendo: Sou um homem injustiçado E por isso estou sofrendo Circula em torno de mim Só mesmo o lado ruim Como herói não estão me vendo.
Sou o Capitão Virgulino Guerrilheiro do sertão Defendi o nordestino Da mais terrível aflição Por culpa duma polícia Que promovia malícia Extorquindo o cidadão.
Por um cruel fazendeiro Foi meu pai assassinado Tomaram dele o dinheiro De duro serviço honrado Ao vingar a sua morte O destino em má sorte Da “lei” me fez um soldado.
Mas o que devo a visita. Pedro fez indagação Lampião sem bater vista: Vê padim Ciço Romão Pra antes do ano novo Mandar chuva pro meu povo Você só manda trovão
Pedro disse: é malcriado Nem o diabo lhe aceitou Saia já seu excomungado Sua hora já esgotou Volte lá pro seu Nordeste Que só o cabra da peste Com você se acostumou.
Olha, estou com sessenta anos, mas se fosse necessário começar a vida nova começava, sem hesitar um só minuto. Teme a obscuridade, Brás, foge do que é ínfimo. Olha que os homens valem por diferentes modos e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens Não estragues as vantagens da tua posição, os teus meios...
ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Jaraguá do Sul: Avenida, 2012. p. 38.
Estive a escutar músicas recentes ... Bem recentes mesmo...
Instantâneas quase. Deliciávamos - Eu e mim - As asperitudes verbais, arcaísmos indecifráveis. Vernáculo ao léu. Mas... Súbito! ... Atentou a nós uma viva chama inteligente e de ausculta inteligível. Sermos sensíveis não era ... Não seria demasiado excesso. Penetramos muito longamente naquela sonoridade de interior de violão, num rodopio feito trajetória de pandeiro. Debruçamo-nos, insustentáveis e cada vez mais embasbacados, aos sons delinquentes que nos faziam rir das peripécias - imagens acústicas suicidas que cercavam nossos ouvidos a abocanhar nossos tímpanos. Mas não. As com-sequências eram outras. Perdi meus olhos. Não serviam mesmo para nadar! Às perdas sucederam momentos de usurpação: não respirava, menos tateava que sem língua. Fiquei apenas com o indicador de ondas para a concha.