segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Citação 2 de Juca Mulato, de Menotti del Picchia

 

 
2
"Também como esse bosque eu tive outrora
na alma um bosque cerrado de emoções.
As palmeiras das minhas ilusões
iam levando o fuste espaço afora.
 
Floriam sonhos; era uma pletora
de crenças, de desejos, de ambições...
Não havia por todos os sertões
mais luxuriante e mais violenta flora.
 
Ai! Bosque real, é o tempo das queimadas!...
É agosto, é agosto! O fogo arde o que existe
em turbilhões sinistros e medonhos.
 
Ai de nós!... Somos almas desgraçadas,
pois na luz de um olhar lânguido e triste
também ardeu o bosque dos meus sonhos..."
 
3
"Água cantante, soluçante, esse gemente
marulho triste, quantas tristes cismas trás...
E fica incerta, ao ouvir-te a voz, a dor da gente,
se vais cantando por ansiar o que há na frente
ou soluçando pelo que deixaste atrás...
 
Água cantante, água estuante, é singular
a semelhança em que te iguala à minha sorte:
vais para a frente e nunca mais hás de voltar,
vens da montanha e vais correndo para o mar,
venho da vida e vou correndo para a morte.
 
Água cantante, ai, como tu, esta alma embrenho
nas incertezas de caminhos que não sei...
E, na inconstância em que me agito, só obtenho
essa ânsia imensa de deixar o que já tenho,
depois a dor de não ter mais o que deixei!"
 
PICCHIA, Paulo Menotti del. Juca Mulato. São Paulo: Círculo do Livro, 1975. p. 32-33.

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