quarta-feira, 12 de junho de 2024

Citação de Todos os fogos o fogo, de Julio Cortázar

 
Mas mamãe nunca pediu que a levassem até o telefone para falar pessoalmente com tia Clélia. Toda manhã perguntava se tinham recebido notícias da quinta e, depois, voltava ao seu silêncio, onde o tempo parecia contar-se por doses de remédios ou xícaras de tília. Não lhe desagradava que tio Roque chegasse com La Razón para ler as últimas notícias do conflito com o Brasil, mas também não parecia preocupar-se com o fato de o jornaleiro chegar atrasado ou tio Roque se distrair mais que de costume com um problema de xadrez. Rosa e Pepa chegaram a convencer-se que mamãe já não se importava que lhe lessem ou não as notícias, ou telefonassem para a quinta, ou trouxessem carta de Alejandro. Mas não se podia ter certeza porque, às vezes, levantava a cabeça e as olhava com o olhar profundo de sempre, no que não havia nenhuma mudança, nenhuma aceitação. A rotina abrangia a todos e, para Rosa, telefonar para um buraco preto na extremidade do fio era tão simples e cotidiano como para tio Roque continuar lendo falsos telegramas sobre um fundo de anúncios de leilões ou notícias de futebol, ou para Carlos entrar com as particularidades de sua visita à quinta de Olavarria e os embrulhos de frutas que Manolita e tia Clélia mandavam. Nem sequer durante os últimos meses de vida de mamãe os hábitos mudaram, embora já tivessem pouca importância. O Dr. Bonifaz disse-lhes que felizmente mamãe nada sofreria e se apagaria sem que notasse. Mas mamãe manteve-se lúcida até o fim, quando já os filhos a rodeavam sem poder fingir o que sentiam.
– Como vocês foram bons comigo – disse mamãe. – Esse trabalho todo que vocês tiveram para que eu não sofresse.
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Três dias depois do enterro chegou a última carta de Alejandro, na qual, como sempre, perguntava pela saúde de mamãe e de tia Clélia. Rosa, que a recebera, abriu-a começou a lê-la sem pensar e, quando levantou os olhos, porque de repente as lágrimas a cegavam, percebeu que enquanto lia a carta estivera pensando de que forma haveriam de dar a Alejandro a notícia da morte de mamãe.
 
CORTÁZAR, Julio. A saúde dos doentes. In: Todos os fogos o fogo. Tradução de Gloria Rodrigues. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011. p. 53-54 [37-54].

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