sexta-feira, 17 de maio de 2024

Citação de O tocador de tuba, de Chico Anísio

 

Zé Beiçudo, desse modo, era artista e herói. Êmulo da meninada que lhe obedecia mais do que aos pais, haja vista que, quando cada um punha obstáculo a tomar óleo de rícino, era a ele que os pais recorriam.

- Zé Beiçudo, dê um pulinho lá em casa, que Cadu não quer tomar o óleo de rícino de jeito nem qualidade.

E lá ia Zé Beiçudo ser agora diplomata, conversar uma conversinha, levando sob o braço um caminhão de madeira, que viria a ser troféu depois do óleo engolido.

- Tome seu purgantezinho que eu lhe dou um caminhão.

- Não quero.

- Tome. Não é ruim, não. Quer ver?

E ele mesmo tomava uma colher, para exemplo. Escondia a cara feia, o menino acabava se purgando sem reclamar. O pai, agradecido, ousava oferecer um dinheirinho em troca de tanta bondade. Zé Beiçudo, gentilmente, dispensava a gorjeta.

- Precisa, não. Fiz isso por Cadu que anda mesmo amarelo, carente de expulsar os vermes.

Tinha feito pelo bem de Cadu, por que receber dinheiro? Voltava, depois, pra casa, correndo com as mãos no ventre.

- Creusa, prepara o penico, que eu hoje dei o exemplo.


ANÍSIO, Chico. O Tocador de Tuba. In: ANÍSIO, Chico. O tocador de tuba. Prefácio de Millôr Fernandes. Rio de Janeiro, Rocco, 1977. p. 54-55 [52-64].

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