segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Citação de Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves

 


Muitas foram as pessoas que me disseram para não dar mais instrução à minha filha, assim como a Esméria também tinha me dito que de nada me serviria aprender a ler e a escrever. É claro que não levei em consideração esses comentários, pois o tempo provou que a Esméria estava errada, embora eu tivesse duvidado disso algumas vezes, e também porque achei curioso que a maioria dos que falavam que a Maria Clara não deveria estudar, era formada por brasileiros que a queriam em casamento para si ou para seus filhos. Encarregado de investigar a minha receptividade à proposta de um rico sarô de Lagos, um missionário protestante chegou a me mostrar um livro em que estava escrito que as moças que estudavam muito, principalmente as que se dedicavam ao magistério, tinham uma triste sorte, ficavam nervosas, fracas e muito sensíveis às afecções cerebrais. Só não ri na presença dele porque sou educada, mas disse que eu mesma já tinha dado aulas durante um bom tempo, na escola do padre Heinz, e já estava com quase sessenta anos sem nunca ter sido acometida de nada daquilo. Minha filha ia estudar, ia se formar, ia ser alguém importante, professora, que é quase tão importante quanto ser rica, pois isso ela já era sem esforço algum, sem mérito a ser acrescentado.
 
GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. 34. ed. Rio de Janeiro: Record, 2023. p. 901-902.

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