sexta-feira, 8 de março de 2024

Citação de O desterro dos mortos, de Aleilton Fonseca

 

O senhor guarda algum segredo? Fique de aguardo: de vez em quando, o tempo dá um suspiro. Essa hora é um perigo de a gente se descobrir, uma caixa que cai do chão, se esparrama, mesmo que sem querer, e se mostra, libertando os saberes. Ah, pois não é? Por certas experiências, cabelo de gente já nasce branco. Uns ficam, de uma vez, com um aborrecimento, uma tristeza. O bem e o mal, esses amigos, andam de abraços: todo cuidado é pouco! Estou suficiente para lhe contar, pois nunca me abri tanto numa prosa, em todos esses anos em que já vou e já vão. Nada fiz por ruindades mansas, dessas não convivo. permaneci deslembrada de coisas, anos e anos: ficou tudo trancado cá dentro num longe de mim.

O senhor nem carece de acreditar, não lhe solicito esse esforço: basta ouvir, isso já me faz os efeitos. Acreditar ou não, isso vai da pessoa. Eu narro, no gosto de contar o causo, até melhor que a realidade. A cura de tudo é o jeito de contar. Acredite se quiser, até no faz de conta a gente aprende o que é a vida. Passa o tempo, aprende bem o que se pode ser. O senhor medite, que a vida é composta de alguma alegria e muitas dores.

FONSECA, Aleilton. Nhô Guimarães. In: FONSECA, Aleilton. O desterro dos mortos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001. p. 15-16.

Nenhum comentário:

Postar um comentário