sábado, 3 de setembro de 2011

Discurso do senador Cristovam Buarque (2009)

Nós não demos a importância devida à educação. Por isso, os Estados Unidos ontem comemoraram 40 anos da ida à lua da primeira nave, que lá chegou no dia 20, e nós comemoramos o primeiro ano da criação do piso salarial de R$950,00, menos de dois salários mínimos, de acordo com o salário mínimo aprovado ontem. Por isso, essas duas datas estão tão entrelaçadas: uma para mostrar a possibilidade que traz o conhecimento; e a outra para mostrar o atraso em virtude da falta de conhecimento, do desprezo à educação.
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Quarenta anos nos separam: o piso e a ida à lua. Quarenta anos nos separam: o coroamento de um processo de avanço da educação e a insistência de manter o atraso da educação. Isso para falar do passado. O futuro vai ser ainda mais dramático, porque, a partir de agora, a ciência não é só para mandar homens à lua, não é só para fazer algumas indústrias. Daqui em diante o conhecimento é a base, é o pilar sobre o qual se constrói uma nação.
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Enquanto os Estados Unidos fundaram suas universidades ainda no século XVII, a nossa primeira universidade de fato surgiu em 1922 e foi fundada porque um rei da Bélgica vinha visitar o Brasil e uma das condições que o protocolo belga colocou foi a de que houvesse um Doutor Honoris Causa para ele. O Ministério das Relações Exteriores se surpreendeu que não havia nenhuma universidade para dar o título de Honoris Causa ao Rei da Bélgica e rapidamente criamos a universidade do Brasil, juntando três cursos de nível superior que o Rio de Janeiro tinha. Veja a que ponto chegamos no desprezo à educação superior: a universidade só apareceu porque era preciso dar um título de Doutor Honoris Causa a um rei estrangeiro, Leopoldo I. Enquanto isso, as universidades americanas já tinham 300 anos. Mas, não era só a universidade que era importante; as crianças tinham educação de base desde o primeiro momento, e o Brasil não tinha educação de base a não ser para pouquíssimas crianças.


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O grave é que, nos próximos quarenta anos, a importância do conhecimento vai ser ainda muito mais forte do que foi nestes últimos quarenta anos. A partir de agora, nestes próximos quarenta anos, a economia não será mais baseada na força dos braços dos escravos, na habilidade da mão-de-obra, mas sim no conhecimento na ponta de cada dedo daqueles que sabem usar os equipamentos digitais.
Além disso, o próprio valor dos produtos já não virá da quantidade de matéria-prima utilizada. Virá do desenho, virá dos chips, virá dos circuitos, virá daquilo que é inteligência dentro de cada produto. Antes um produto era feito de matéria-prima e de mão-de-obra. Agora um produto é feito de inteligência, matéria-prima e mão-de-obra.
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Essa coincidência de comemorações deve nos levar a refletir que futuro temos nós. Basta olhar o passado: éramos iguais, Estados Unidos e Brasil. E eles se distanciaram. Hoje eles estão lá na frente; nós vamos ficar cada vez mais para trás. Sobretudo pela falta de apoio ao desenvolvimento desse recurso fundamental, que é o cérebro dos brasileiros. Como vamos fazer o salto se nós jogamos fora, a cada minuto, 60 cérebros, para fora da sala de aula? Como se o Brasil fosse um incinerador de cérebros.
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Nós queimamos os cérebros que escreveriam os livros. Quando Hitler queimava livros, algum livro igual sobreviveria em alguma biblioteca do mundo ou o autor, se ainda fosse vivo, escreveria outro. Nós incineramos os cérebros que poderiam ter escrito livros se tivessem estudado na hora certa com o rigor e a qualidade certa da educação.
Por isso, enquanto os americanos comemoram 40 anos de terem mandado uma nave espacial à lua, produto fundamental do conhecimento, que é produto da educação, na qual eles investiram ao longo de 300 anos, nós comemoramos o primeiro aniversário do piso salarial do professor, e ainda sem implantar esse piso salarial já aprovado.
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Vamos tirar uma lição. Nós podemos comemorar o ganho da Copa do Mundo, mas não podemos comemorar a realização de nenhum feito científico importante para a humanidade por falta de educação de base.
Foi a educação de base que levou aqueles heróis da humanidade até a lua; foi a educação de base dos cientistas; foi a educação de base dos próprios astronautas; foi a educação de base que mudou aquele País e fez com que hoje, ontem, se comemore os quarenta anos da ida à Lua.
Vamos pelo menos completar o piso salarial do professor para que, daqui a algumas décadas, a gente possa comemorar feitos científicos e tecnológicos, como os americanos estão comemorando nesses dias.

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