sábado, 11 de junho de 2011

"O que em mim fica, o que em mim significa?"





" – Deus! crer em Deus!?... sim! Como o grito íntimo o revela nas horas frias do medo, nas horas em que se tirita de susto e que a morte parece roçar úmida por nós! Na jangada do naufrágio, no cadafalso, no deserto, sempre banhado de suor frio do terror e que vem a crença em Deus! Crer nele como a utopia do bem absoluto, o sol da luz e do amor, muito bem! Mas, se entendeis por ele os ídolos que os homens ergueram banhados de sangue e o fanatismo beija em sua inanição de mármore de há cinco mil anos... não creio nele!”
p.13



Álvares de Azevedo. Noite na Taverna. Ed. Avenida. Jaraguá do Sul, SC, 2005.





"O poema então começa pelos últimos crepúsculos do misticismo, brilhando sobre a vida como a tarde sobre a terra. A poesia puríssima banha com seu reflexo ideal a beleza sensível e nua.
O poeta acorda na terra. Demais, o poeta é homem: Homo sum, como dizia o célebre Romano. Vê, ouve, sente e, o que é mais, sonha de noite as belas visões palpáveis de acordado. Tem nervos, tem fibra e tem artérias - isto é, antes e depois de ser um ente idealista, é um ente que tem corpo. E, digam o que quiserem, sem esses elementos, que sou o primeiro a reconhecer muito prosaicos, não há poesia.
O que acontece? Na exaustão causada pelo sentimentalismo, a alma ainda trêmula e ressoante da febre do sangue, a alma que ama e canta, porque sua vida é amor e canto, o que pode senão fazer o poema dos amores da vida real? Poema talvez novo, mas que encerra em si muita verdade e muita natureza, e que sem ser obsceno pode ser erótico, sem ser monótono. Digam e creiam o que quiserem: - todo o vaporoso da visão abstrata não interessa tanto como a realidade formosa da bela mulher a quem amamos."
p.43

Álvares de Azevedo. Lira dos vinte anos. Ed. Ciranda Cultural, 2007.

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