quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Sobre algum tempo das letras


O efeito mais notável da divisão do trabalho é a decadência da literatura.

Na Idade Média e na Antiguidade o letrado, espécie de doutor enciclopédico, sucessor do trovador e do poeta, que sabia tudo, podia tudo. A literatura, sobranceira, regia a sociedade; os reis procuravam o favor dos escritores ou se vingavam de seu desprezo queimando-os, a eles e a seus livros. Mas ainda era uma forma de reconhecer a soberania literária.

Hoje, se é industrial, advogado, médico, banqueiro, comerciante, professor, engenheiro, bibliotecário etc., mas não se é mais homem de letras. Ou melhor, alguém que se tenha elevado a um grau pouco mais notável em sua profissão é por isso mesmo e necessariamente letrado: a literatura, como o bacharelado, se tornou parte elementar de toda profissão. O homem de letras, reduzido a sua expressão pura, é o escritor público, um tipo de caixeiro viajante de frases pago por todos e cuja variedade mais conhecida é o jornalista.

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O interesse pelo romance não se sustenta senão quando se aproxima da realidade; a história se reduz a uma exegese antropológica; por toda parte, enfim, a arte de falar bem parece como a auxiliar subalterna da ideia, do fato. O culto da palavra, muito lento para os espíritos impacientes, é negligenciado e seus artifícios perdem cada dia mais sua sedução.

Numa sociedade nascente, o progresso das letras precede necessariamente o progresso filosófico e industrial e por muito tempo serve a ambos de expressão. Mas chega o dia em que o pensamento transborda a língua e então, por conseguinte, a preeminência conservada pela literatura se torna pura para a sociedade um sintoma seguro de decadência.

A linguagem é, com efeito, para cada povo a coleção de suas ideias nativas, a enciclopédia que lhe revela primeiramente a Previdência; é o campo que sua razão deve cultivar, antes de atacar diretamente a natureza pela observação e pela experiência. Ora, desde que uma nação, após ter esgotado a ciência contida em seu vocabulário, em lugar de prosseguir sua instrução por uma filosofia superior, se envolve em seu manto poético e se põe a brincar com seus períodos e hemistíquios, pode-se ousadamente definir que essa propriedade está perdida.

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Que não se tenha, pois, ilusões: a partir do momento em que o espírito, primeiramente todo ele contido no verbo, passa para a experiência e o trabalho, o homem de letras propriamente dito nada mais é que a personificação raquítica da menor de nossas faculdades; e a literatura, refugo da indústria inteligente, só encontra consumo entre os ociosos que diverte e os proletários que fascina, os malabaristas que assediam o poder e os charlatães que nela se defendem, os hierofantes do direito divino que embocam a trombeta do Sinai e os fanáticos da soberania do povo, cujos raros órgãos, reduzidos a ensaiar a sua facúndia tribunícia sobre os túmulos, esperando que faça chover dardos do alto e que só sabem dar ao público paródias de Graco e de Demóstenes.

PROUDHON, Pierre-Joseph. I - Efeitos antagônicos do princípio da divisão. Cap. III - Evoluções econômicas: Primeira época – A divisão do trabalho. In: Filosofia da Miséria. Trad. Antônio Geraldo da Silva. Ed. Escala. São Paulo – SP, 2007.



Um comentário:

  1. Belo post!

    Belo blog...

    Parabéns, muito bom!!!

    Convidaria vc a conhecer minha poesia..
    Ficaria feliz demais!!! http://mailsonfurtado.com

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