sexta-feira, 14 de maio de 2010
O homem não cede a outrem a glória que conquistou
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De todas as quimeras do mundo, a mais admitida e universalmente espalhada é a do cuidado com nossa reputação e nossa glória, que apreciamos a ponto de, em troca de tão vã imagem, de uma simples voz sem corpo, renunciarmos às riquezas, ao repouso, à saúde, à vida, bens efetivos e circunstanciais. "A fama, que com a doçura de sua voz nos encanta, arrogantes mortais, e vos parece tão bela, não passa de um eco, um sonho ou, antes, e sombra de um sonho que se dissipa e se esvai com o vento" (Tasso). De todas as ideias despropositadas que podem passar pela mente dos homens é ela a mais indomável e tenaz, "porque não cessa de tentar os espíritos mais avançados na virtude" (Santo Agostinho). Parece com efeito, que dela mais do que de quaisquer outras se libertam com maior dificuldade os filósofos.
Não há nenhuma cuja futilidade seja mais claramente demonstrada pela razão, mas ela tem raízes tão vivas dentro de nós que não não sei se jamais alguém conseguiu livrar-se inteiramente dela. Depois de tudo dito a fim de evitar, quando pensamos ter conseguido, provoca ela em nós uma tal reação contra os argumentos emitidos que estes não mais se sustentam. Pois, como afirma Cícero, exatamente os que mais a combatem querem que seus nomes figurem nos livros que escreveram a respeito e que o seu desprezo pela glória os glorifique.
Michel de Montaigne. Ensaios. Série Os pensadores
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