sexta-feira, 26 de abril de 2024

Citação de 1 Timóteo, da Bíblia


1 Mas o Espírito expressamente diz que em tempos posteriores alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios,

2 pela hipocrisia de homens que falam mentiras e têm a sua própria consciência cauterizada,

3 proibindo o casamento, e ordenando a abstinência de alimentos que Deus criou para serem recebidos com ações de graças pelos que são fiéis e que conhecem bem a verdade;

4 pois todas as coisas criadas por Deus são boas, e nada deve ser rejeitado se é recebido com ações de graças;

5 porque pela palavra de Deus e pela oração são santificadas.

6 Propondo estas coisas aos irmãos, serás bom ministro de Cristo Jesus, nutrido pelas palavras da fé e da boa doutrina que tens seguido;

7 mas rejeita as fábulas profanas e de velhas. Exercita-te a ti mesmo na piedade.

8 Pois o exercício corporal para pouco aproveita, mas a piedade para tudo é proveitosa, visto que tem a promessa da vida presente e da que há de vir.

9 Fiel é esta palavra e digna de toda aceitação.

10 Pois para isto é que trabalhamos e lutamos, porque temos posto a nossa esperança no Deus vivo, que é o Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem.

11 Manda estas coisas e ensina-as.

12 Ninguém despreze a tua mocidade, mas sê um exemplo para os fiéis na palavra, no procedimento, no amor, na fé, na pureza.

13 até que eu vá, aplica-te à leitura, à exortação, e ao ensino. 

14 Não negligencies o dom que há em ti, o qual te foi dado por profecia, com a imposição das mãos do presbítero.

15 Ocupa-te destas coisas, dedica-te inteiramente a elas, para que o teu progresso seja manifesto a todos. 

16 Tem cuidado de ti mesmo e do teu ensino; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás, tanto a ti mesmo como aos que te ouvem.

BÍBLIA, N. T. 1 Timóteo. In: A Bíblia Sagrada: Almeida atualizada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Abbotsford, CAN: Zeiset, 2020. E-book. p. 2393-2394. 1 Tm 4.

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Citação de Um artista da fome, de Franz Kafka

 

Os mais belos cartazes chegaram a ficar sujos e ilegíveis, foram arrancados e a ninguém ocorreu renová-los. A tabuleta com o número dos dias transcorridos desde que havia começado o jejum, que nos primeiros tempos era cuidadosamente mudado todos os dias, há muito tempo era a mesma, pois ao fim de algumas semanas esse pequeno trabalho tinha-se tornado desagradável para o pessoal; e desse modo o jejuador continuou jejuando, como sempre havia desejado, e o fazia sem incômodo, tal como em outra época havia anunciado; mas ninguém contava mais o tempo que passava; ninguém, nem mesmo o próprio jejuador, sabia quantos dias de jejum havia alcançado, e seu coração enchia-se de melancolia. E assim, certa vez, durante aquele tempo, um ocioso se deteve diante de sua jaula e se riu do velho número de dias consignado na tabuleta, parecendo-lhe impossível, e falou de impostura e velhacaria; foi essa a mais estúpida mentira que puderam inventar a indiferença e a malícia inatas, pois não era o jejuador quem enganava, ele trabalhava honradamente, mas era o mundo quem enganava quanto aos seus merecimentos.

KAFKA,  Franz. Um artista da fome. In: KAFKA,  Franz. A metamorfose e Um artista da fome. Tradução de Torrieri Guimarães. Texto sobre autor e obra de Marques Rebelo. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998. p. 75-89. p. 87-88.

 

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Citação de A metamorfose, de Franz Kafka

 

Esse modo de abrir a porta impediu que ele fosse visto, embora a porta já estivesse aberta. Teve primeiro de girar lentamente contra uma das folhas da porta, com grande cuidado para não cair bruscamente de costas no umbral. E ainda estava ocupado em realizar tão difícil movimento, sem tempo para pensar em outra coisa, quando ouviu um “oh!” do gerente, que soou como soa o sopro do vento, e viu esse senhor, o mais próximo da porta, tapar a boca com a mão e retroceder lentamente, como impelido por uma força invisível.

A mãe — que, apesar da presença do gerente estava ali despenteada, com o cabelo enredado no alto da cabeça — olhou primeiro para Gregor, juntando as mãos, avançou depois dois passos para ele e desmaiou por fim, em meio às saias espalhadas ao seu redor, com o rosto escondido nas profundezas do peito. O pai ameaçou com o punho, com expressão hostil, como se quisesse empurrar Gregor para o interior do quarto; voltou-se depois, saindo com passo incerto para a ante-sala, e, cobrindo os olhos com as mãos, pôs-se a chorar de tal modo que o pranto lhe sacudia o robusto peito.

Gregor, assim, não chegou a penetrar na sala; do interior de seu quarto, permaneceu apoiado na folha fechada da porta, de modo que apenas se via a metade superior do corpo, com a cabeça inclinada meio de lado, espiando para fora. Enquanto isso, o dia ia clareando e na calçada oposta recortava-se nítido um pedaço do edifício enegrecido fronteiriço. Era um hospital, cuja monótona fachada era rompida por simétricas janelas. A chuva não tinha cessado, mas caía já em grandes gotas isoladas que se viam chegar distintamente ao solo. Sobre a mesa estavam os utensílios do café, pois para o pai o desjejum era a refeição principal do dia, que ele gostava de prolongar com a leitura de vários jornais. Na parede em frente de Gregor pendia um retrato dele, feito durante seu serviço militar, e que o representava com uniforme de tenente, a mão na espada, sorrindo despreocupadamente, com um ar que parecia exigir respeito para sua indumentária e sua atitude. Essa sala dava para o vestíbulo; pela porta aberta via-se a do apartamento, aberta também, o patamar da escadaria e a parte desta que conduzia aos andares inferiores.

— Bem — disse Gregor muito convicto de ser o único que conservara sua serenidade. — Bem, visto-me num instante, recolho o mostruário e saio de viagem. Permitir-me-eis que saia de viagem, não é? Eia, senhor gerente, já vê que não sou teimoso e que trabalho com gosto. Viajar é cansativo; mas eu não saberia viver sem viajar. Aonde vai, senhor gerente? À firma? Sim? Contará tudo como aconteceu? Pode alguém ter um instante de incapacidade para o trabalho; mas então é precisamente quando os chefes devem lembrar-se de quão útil ele tem sido, e pensar que, passado o impedimento, voltará a ser tanto mais ativo e trabalhará com maior zelo. Eu, como o senhor sabe muito bem, estou muito agradecido ao chefe. Tenho de cuidar de meus pais e minha irmã. É verdade que hoje me encontro num grave aperto. Mas trabalhando sairei dele. Não torne as coisas mais difíceis para mim do que elas já são. Ponha-se de meu lado. Já sei que na firma ninguém quer bem ao viajante. Todos acreditam que ganha dinheiro com espertezas, e leva uma vida de luxo. É certo que não há nenhuma razão especial para que esse preconceito desapareça. Mas o senhor, senhor gerente, está mais ao corrente do que são as coisas do que o restante do pessoal, e até (e diga-se isso em confiança) do que o próprio chefe, que em sua qualidade de patrão engana-se freqüentemente a respeito de um empregado. O senhor sabe muito bem que o viajante, como está fora da firma a maior parte do ano, é alvo fácil de falatórios e vítima de coincidências e queixas infundadas contra as quais não lhe é possível defender-se, já que a maioria das vezes não chegam ao seu conhecimento; apenas ao regressar arrebentado de uma viagem começa a notar diretamente as funestas conseqüências de uma causa invisível. Senhor gerente, não se vá sem dizer-me algo que me prove que me dá razão, pelo menos em parte.

Mas, desde as primeiras palavras de Gregor o gerente dera meia-volta e observava-o por cima do ombro, convulsivamente agitado com um esgar de asco nos lábios. Enquanto Gregor falava, não permaneceu um momento tranqüilo. Retirou-se para a porta sem tirar os olhos de cima dele, mas muito lentamente, como se uma força misteriosa o impedisse de abandonar aquela sala. Chegou por fim ao vestíbulo, e ante a presteza com que ergueu pela última vez o pé do chão, dir-se-ia que pisara em fogo. Alongou o braço direito em direção à escada, como se esperasse encontrar ali milagrosamente a liberdade.

 

KAFKA,  Franz. A metamorfose. In: KAFKA,  Franz. A metamorfose e Um artista da fome. Tradução de Torrieri Guimarães. Texto sobre autor e obra de Marques Rebelo. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998. p. 5-74. p. 21-23.